Sense8 já vai tarde - e que leve outros consigo

por Cyd Losekann

Em um primeiro momento, escrever sobre uma série que nunca vi pode parecer desonesto. Mas, mais do que falar de Sense8, o que pretendo aqui é falar sobre por que nunca sequer senti vontade de acompanhar a série.

Antes de tudo, a premissa de desconhecidos cujas histórias se cruzam pelas vicissitudes da vida me faz lembrar da chatíssima trilogia (Amores Brutos + 21 Gramas + Babel) de Alejandro González Iñarritu. Mas isso só vim a saber mais tarde, depois de pesquisar mais a fundo sobre o que a série tratava. Antes, tudo que pude ver a respeito foi sobre a presença de personagens homossexuais, transexuais, mulheres que sofrem abuso e personagens femininas “fortes” – tudo o que muitas das séries da Netflix costumam ter, desta vez concentrado em uma única produção.

Li em 1º de junho a notícia de que Sense8 não terá uma terceira temporada. Isso não me causou nenhuma surpresa, já que o fracasso daqueles que investem em histórias sustentadas pela “lacração” tem sido coisa recorrente. Aconteceu com as histórias em quadrinhos da Marvel, aconteceu com a Globo, em sua série Os Dias Eram Assim, e agora tivemos mais uma vítima de tiro no pé.

Ora, não há problema algum em incluir personagens homossexuais, negros, mulheres, imigrantes, etc., em suas tramas. O problema é fazê-lo em tom de bravata, para chocar ou suscitar debates sobre questões sociais -- problema, claro, se o que se pretende é despertar interesse e conquistar o público. É possível retratar tipos sociais, abordar problemas do seu tempo e construir um mundo bastante rico em cima disso sem precisar ser um Balzac do audiovisual. Mas é preciso tentar algo mais do que criar personagens e histórias que são um simples espelho para adolescentes (ou “jovens adultos”) se identificarem.

Os fãs de Sense8 ficaram revoltados, muitos deles alegando que o cancelamento da série demonstrava o quanto a Netflix se importa tão somente com o lucro (surpresa!). É verdade que muitas obras artísticas passam em branco e até são desprezadas pelos seus contemporâneos e só ganham reconhecimento póstumo, não raro séculos depois do seu aparecimento. Em contrapartida, também são muitos os charlatões que mascaram sua falta de talento alegando que aqueles que não apreciam sua arte são insensíveis, burros, manipulados pela sociedade de consumo, etc.  Como disse, nunca vi e nem senti vontade de ver Sense8, mas me arrisco a dizer que a série dos irmãos Wachowski se encaixa no segundo caso – e o fato de seus fãs responderem ao cancelamento com mais um pacote de problematizações sem sentido só corrobora minha convicção.

É possível que a Netflix tenha cancelado Sense8 apenas para poder produzir novas séries chatas e cometer os mesmos erros. Inclusive, muitas produções com pieguices sobre políticas de identidade continuam em seu catálogo. Não deixa de ser um alívio, porém, perceber que nem sempre todos estão completamente alheios à realidade.