Como vivemos tempos estúpidos (costumam falar "sombrios", mas a verdade é que a estupidez se sobrepõe à maldade), centenas de brasileirinhos correram para as redes sociais de Drauzio Varella reclamar do abraço dele em Suzy, detenta condenada a 36,6 anos de prisão por estuprar e estrangular uma criança de 9 anos. "Por que não abraçar os pais da vítima?", escreveu um. "Velho comunista", espumou outro. "Todos na rua domingo que vem", advertiu um cidadão mais confuso (e bitolado).
Drauzio é um humanista convicto. Se fosse convidado a abraçar os pais do menino assassinado, não pensaria duas vezes. Abraçaria cada um deles, absorveria toda aquela dor e buscaria palavras de conforto. Ele é mais que um médico e menos que um juiz. É uma boa pessoa. E isso faz muita, muita falta na nossa sociedade.
Gays e transexuais são discriminados o tempo todo. Uns em maior escala, outros em menor. Toda mensagem que ajude a subverter a normalização da barbárie é bem-vinda, desde que seja sincera. A reportagem do "Fantástico", responsável pelo pico de audiência da Globo no último domingo, dava a entender que Suzy estava abandonada no presídio de Guarulhos por ser trans, não pelo gravíssimo delito cometido por ela. Era evidente que um dos milhões de espectadores - em São Paulo, a história registrou 25,4 pontos - do programa procuraria informações sobre o caso. Era óbvia a reação ao descalabro.
Não se sabe ainda o que levou a equipe do "Fantástico" a citar o roubo de Lola, outra personagem da reportagem, e a ignorar o caso de Suzy. O que se sabe é que os extremistas usarão esse caso para tentar colar os transexuais à pedofilia. O que deveria ser prestação de serviço rapidamente se tornou, por arrogância ou descuido, um tremendo desserviço.
Alguém precisa abraçar o jornalismo antes que seja tarde. Especialmente tarde.