Tirando a roupa do clipe da Clarice Falcão

"Se não for pra causar, melhor nem lançar nada".

Assim Clarice Falcão promoveu seu último clipe, "Eu Escolhi Você", extraído do álbum "Problema Meu".

Suspenso do YouTube por violar as políticas de veiculação de conteúdo sexual, o vídeo tem quase três minutos de calcinhas, cuecas, pintos, sacos e bundas com muitos adereços do Saara, comércio popular do Rio de Janeiro. É infantil, avulso e raso, como quase tudo que envolve arte no Brasil.

A retirada do clipe causou algum furor na imprensa cultural. Um portal do Nordeste entrevistou especialistas sobre nudez e cultura falocêntrica. Um blogueiro do Sudeste repudiou a hipocrisia das redes sociais. Nunca um punhado de sacos murchos pintados com guache repercutiu tanto.

Brasileiro não fica encanado com nudez na televisão. Pelo menos dois terços da população trocaria o assistencialismo barato dos domingos por brincadeiras edificantes como a "prova da banheira" e a "luta na lama".

Muito mais atrevido que "Eu Escolhi Você", o clipe "Boquete", de Ivo Meirelles e Funk'n Lata, está há quase 20 anos no acervo dos canais musicais. Apesar das insinuações de sexo com políticos e religiosos - a música acompanhou o escândalo sexual de Bill Clinton e as denúncias de pedofilia nas igrejas -, nunca deixou de ser exibido. Pois existia um pretexto.

Na véspera do Natal, Clarice Falcão postou um desabafo nas redes sociais. Afirmou que o clipe "sequer tem um diretor de fotografia" e não tem a pretensão de "ser um manifesto universal, um retrato do nosso tempo ou uma obra de arte cheia de camadas".

"Acho que a reação violenta que o clipe causou fala muito mais sobre quem assistiu do que sobre as imagens (imagens que todo mundo vê no espelho todo dia). O clipe não é mais do que ele parece ser: um monte de partes íntimas com adereços baratos. Se eu quisesse fazer o clipe mais revolucionário da década eu juro que tinha chamado um diretor de fotografia", complementou.

Os progressistas tupiniquins são engraçados. Em três dias, trocam o deslumbre, a ideia falsa de onipotência cultural e intelectual, por autocomiseração no Facebook e desculpas esfarrapadas - a fotografia do vídeo é menos problemática que a música, para começo de conversa.

Existem ótimos filmes, quadros e espetáculos teatrais com nudez e sexo explícito. Nem todos são cheios "de camadas", mas nenhum deles abre mão do conteúdo. Só consegue causar quem tem algo a dizer.