Televisão

Tony Soprano é fulminante

TV ligada. “Woke Up This Morning” começa a tocar. Nos próximos 60 minutos, tenho a certeza de que nada me aborrecerá. James Gandolfini é Tony Soprano. Tony Soprano é James Gandolfini. Quando a genialidade aflora, só os deuses podem determinar quem é o criador, quem é a criatura. Mafioso de New Jersey, Tony padece de […]

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TV ligada.

“Woke Up This Morning” começa a tocar.

Nos próximos 60 minutos, tenho a certeza de que nada me aborrecerá.

James Gandolfini é Tony Soprano. Tony Soprano é James Gandolfini. Quando a genialidade aflora, só os deuses podem determinar quem é o criador, quem é a criatura.

Mafioso de New Jersey, Tony padece de três males: o trabalho, a família e a síndrome do pânico.

Por ser impossível a dissociação desses problemas, resolve procurar uma psicóloga.

Nas consultas com a Dra. Jennifer Melfi, apenas alimenta a megalomania. O ar primitivo. Com simpatia, é claro. Tony Soprano é simpático. James Gandolfini é simpático.

Lá vai o Tony sufocar a mãe no corredor do hospital. Pena os seguranças impedirem-no. Agora, ele resolveu entrar na casa de uma amiga para desferir cintadas num conhecido que resolveu namorá-la. Aquele outro rapaz esqueceu de pagá-lo. É justo que seja perseguido como um animal. Parece que Christopher, seu sobrinho, está confuso e drogado. Melhor matá-lo engasgado no próprio sangue, antes que faça alguma bobagem.

Cumplicidade. Essa é a minha resposta -e a de todo o público- para a brutalidade engendrada por Tony Soprano episódio a episódio. Ele achaca. Ele estapeia. Ele executa. Nós achacamos. Nós estapeamos. Nós executamos. Guiados pelos olhos de Gandolfini, abandonamos a lógica e qualquer senso de pertencimento à humanidade. Porque nem a lógica nem a humanidade nos interessam mais do que o talento ali expressado. É gratificante ser mesquinho.

Tony Soprano não é um simples anti-herói, como outros criados nos últimos anos. Ele está além disso. Tony Soprano é humano. Afinal, é interpretado por um humano. De talento acima da média. Sem a sensibilidade e a capacidade de James Gandolfini, o mundo jamais conferiria fenômeno semelhante a Tony. Uma figura bruta e doce. Estúpida e astuta. Destemperada e comedida. Poderosa e frágil. Corajosa e covarde. Capaz de representar, sem esforços, a angústia, a tristeza e a impotência que nós, mafiosos ou não, carregamos sem demonstrar.

“Família Soprano” acaba sem falas, com a cena final bruscamente interrompida por uma tela preta. Para muitos fãs, o recado de David Chase foi de que a história de Tony não parava ali. A história da TV não vai parar, mas essa tela preta ficará no ar por décadas.