Sem grande alarde ou uma campanha caríssima de marketing, a minissérie “Chernobyl” (coprodução HBO/Sky) estreou no início de maio e chega ao fim nesta sexta-feira, 7 de junho, com a exibição do quinto e último episódio, às 21h. Enquanto a HBO ainda chorava o cadáver de “Game of Thrones”, a obra concebida por Craig Mazin – roteirista de filmes como “Todo Mundo em Pânico 3” e “Se Beber, Não Case! Parte 2” – se tornou um fenômeno da indicação boca a boca e alcançou a nota mais alta na lista de melhores séries de todos os tempos do IMDb, desbancando produções elogiadas como “Band of Brothers” e “Breaking Bad”.
Graças à minissérie, buscas no Google relacionadas ao desastre nuclear aumentaram drasticamente, agências de turismo que promovem passeios na cidade fantasma de Pripyat relataram um boom de 40% na procura pelos pacotes. Nas redes sociais, pessoas que cresceram na União Soviética elogiaram a atenção dada aos detalhes, que vão dos figurinos à direção de arte: “Tudo tem sido incrivelmente autêntico[…]'Chernobyl' não é só mais realista do que qualquer série/filme ocidental já feito sobre a Rússia, é também mais realista do que qualquer coisa que os próprios russos já tenham feito sobre o tema”, comentou o repórter Slava Malamud.
Sem sotaques falsos, o ator inglês Jared Harris (“Mad Men”, “The Terror”) interpreta Valery Legasov, físico nuclear encarregado da comissão soviéica que investigou a explosão do reator 4 da usina de Chernobyl, em abril de 1986 – até então, uma catástrofe de proporções inéditas, que liberou 400 vezes mais material radioativo do que a bomba de Hiroshima. Não é fácil dramatizar a ameaça invisível da radioatividade ou o terror de um Estado burocrático, sustentado por mentiras, mas “Chernobyl” transforma a ignorância e a negação em elementos cruciais de um suspense desesperador de autoritarismo desenfreado.
Cada episódio é complementado por um podcast (basta procurar por “The Chernobyl Podcast” no YouTube ou no Spotify), em que o próprio Mazin comenta as fontes de sua pesquisa (sobretudo, o livro “Vozes de Tchernóbil”, de Svetlana Alexievich), o que aconteceu como retratado e o que foi dramatizado por questões narrativas – a personagem Ulana Khomyuk, interpretada por Emily Watson (“Embriagado de Amor”), por exemplo, não é uma figura verídica, mas representa todo um grupo de cientistas que se arriscou para expor as falhas de Chernobyl e evitar que desastres semelhantes acontecessem.
Há uma cena magnífica em que Khomyuk vai alertar um oficial do governo soviético sobre a intensidade da radioatividade, mas ele ignora e diz que prefere a opinião dele, um ex-funcionário de uma fábrica de sapatos, e não a dela, uma física nuclear. A incapacidade de reconhecer a realidade ou de permitir que a informação seja propagada ao resto do mundo, misturada ao despreparo técnico e à arrogância partidarista – no contexto da antiga União Soviética – fez com que algumas figuras conservadoras recomendassem a minissérie, por “revelar os podres” do socialismo.
“Chernobyl”, no entanto, não deve ser vista como um produto “de direita” ou “de esquerda”, pois trata dos custos da mentira e do pensamento ideológico em geral, de quando a percepção da realidade é moldada por uma visão específica de mundo e não o contrário. “O comportamento soviético não chegou em Moscou por meio de um meteoro. Era um comportamento humano. O potencial está em todos nós. Hoje em dia, quem ignora os cientistas? Quem celebra mentirosos? Quem espalha propaganda? Quem grita ‘inimigo do povo’?”, Mazin indagou em seu perfil no Twitter.
Até hoje, não é possível determinar quantas pessoas morreram em decorrência do desastre de Chernobyl. As estimativas variam entre 4 mil e 93 mil mortos. Mais do que uma falha de engenharia da usina nuclear, foi a gestão catastrófica que causou mortes desnecessárias, simplesmente porque as autoridades não podiam aceitar a gravidade do ocorrido e reagir da forma necessária. A história de “Chernobyl" não se limita ao contexto soviético, mas a qualquer país ou governo em que projeto de poder supera o respeito à realidade.
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