Sobre a decisão do Ministério Público contra Ricardo Feltrin

O Ministério Público incluiu Ricardo Feltrin no processo que investiga Marcius Melhem, ex-chefe do núcleo de humor da Globo, pelos crimes de violência psicológica e perseguição contra mulher. O aditamento, solicitado pela promotoria, questiona se o jornalista também cometeu esses delitos. Como? Publicando vídeos no YouTube e escrevendo textos em Ooops!, site que leva o nome de sua antiga coluna na Folha.

É grave que um jornalista seja investigado por apresentar o contraditório. Especialmente um de carreira conhecida e reconhecida. Ricardo Feltrin tem mais de três décadas no mercado e contribuição decisiva para a formatação da Folha Online --uma de suas reportagens, diga-se, elencam o especial "as 90 reportagens que fizeram história", publicado pelo Grupo Folha em 2011.

O caso Marcius Melhem é delicado e é natural que a apuração de Ricardo Feltrin cause abalos, inclusive à imagem dele. O ônus aqui é todo do jornalista, que nunca reclamou da sua missão. O que não pode é o Ministério Público assumir a função de ombudsman da imprensa, pontuando o que é e o que não é publicável. Até pelo precedente que se abre: imagine você, leitor, o que aconteceria se todos os repórteres e colunistas do Brasil sofressem o mesmo tipo de tratamento. Ou morreria o expediente do "outro lado" ou a justiça ficaria sobrecarregada.

É ruim para a imprensa. É ruim para a democracia. É ruim para a justiça.

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As redes sociais e o avanço do jornalismo digital aceleraram a discussão sobre a polarização da sociedade e inflacionaram a importância da imparcialidade no ofício jornalístico. É sabido que não existe jornalista imparcial. Todo jornalista, mesmo os esculpidos em IA, tem uma programação ideológica. A discussão sempre foi --e deve ser-- sobre isenção e respeito aos fatos. E o fato é que a sociedade está nem aí com a paçoca. Todo mundo quer lacrar e sair na rua exibindo sua narrativa.