Entre a conivência e a incompetência
Mehdi Hasan, repórter e apresentador do "Upfront" e do "Head To Head", vitrines da rede catariana AlJazerra, conquistou milhões de brasileiros - e afastou outros tantos - ao confrontar a ex-presidente Dilma Rousseff a respeito das acusações de corrupção que catalisaram o processo de impeachment.
Exibida semana passada, a entrevista de quase 25 minutos merecia ser repercutida pela abrangência editorial e a disposição do jornalista, um "britânico perdido em Washington", em compreender o confuso sistema político brasileiro e contextualizar os indicadores da crise econômica a quem não está familiarizado com o nosso país. Como o Brasil é o Brasil, acabou incensada por um trecho de quase 30 segundos, onde Hasan pergunta a Dilma se ela era cúmplice ou incompetente na administração da Petrobras.
Jornalistas não podem esconder informações. Nem tratar de maneira condescendente seus entrevistados. A insistência e a acidez de Mehdi Hasan traduzem esses valores básicos, que deveriam pautar as relações de todos os profissionais.
O domínio do Facebook sobre os brasileiros destruiu o resto de racionalidade que havia na opinião pública. A sociedade passou a ser analisada sob a ótica - e a constituição mambembe - de bolhas que julgam ser representantes de milhões de pessoas que não estão nem aí pra paçoca. Trocamos o realismo nauseante por uma distopia infantilizada.
Quem aplaude a Al Jazeera não está impressionado com o profissionalismo de Mehdi Hasan. Está feliz apenas com o apuro de alguém indesejado. Da mesma maneira, quem critica o jornalista teria outra postura se na cadeira ocupada por Dilma estivesse um político tucano. Ou Jair Bolsonaro. Ou Ronaldo Caiado.
Se a reação do público é compreensível, as críticas dos veículos brasileiros ao estilo de Mehdi Hasan são descabidas e estúpidas. Não faz sentido um repórter perpetuar o conchavo, o acobertamento, a condescendência. Sobretudo quando do outro lado está uma autoridade. Governos e governantes devem ser questionados o tempo todo, sem distinções.
Em 1997, Sônia Bridi entregou ao "Jornal Nacional" um dos melhores recortes da redemocratização brasileira. Frente a frente com Fernando Collor, primeiro presidente eleito de forma direta desde a ditadura militar, tirou o hoje senador do sério, atrasando seu retorno ao Congresso. Combateu o caçador de marajás e voltou com a carcaça dele para casa.
Mehdi Hasan respeitou Dilma Rousseff, o público e o jornalismo ao expor claramente suas ideias. Os blogs que reclamaram de Mehdi Hasan desrespeitaram só Dilma Rousseff e o jornalismo. Porque eles não têm público. Só bolhas.