Clique fácil x informação confiável: o prazo de validade do furo da Folha expirou

A Folha cometeu um erro gravíssimo nesta sexta-feira. A reportagem "Milhares no Brasil tomaram vacina vencida contra Covid; veja se você é um deles", alterada depois para "Registros indicam que milhares tomaram vacina vencida contra a Covid; veja se você é um deles", ignorou a base de dados dos municípios, a que realmente importa, para se apegar ao sistema do Ministério da Saúde, que é naturalmente defasado -- não deveria ser, mas é -- e ignora a data de aplicação das doses. Resultado: a partir de amanhã, milhares de cidadãos vão lotar os postos de saúde em busca de uma reparação inexistente, atrapalhando o truncando trabalho dos postos de saúde.

Mais viciante e perigoso que o ibope em tempo real da TV, o Google Analytics é um convite ao post sem revisão, ao fato sem apuração, ao trabalho sem edição. Provavelmente encantada com a possibilidade de denunciar um erro crasso do Ministério da Saúde e ainda golear o Estadão, a Folha fugiu de suas origens e cedeu ao apelo do clique fácil, espalhando pânico e descrença em uma sociedade com predileção ao negacionismo.

O erro, como bem demonstrou o jornalista Rodrigo Menegat, não era difícil de ser detectado. Com os dados do Open Data SUS em mãos, ele descobriu que o padrão de vacinação de Maringá, um dos epicentros da "crise", era desgraçadamente irregular. Em seguida, fez a análise desses números.

"Segundo a base de dados, Maringá aplicou cem mil doses de vacina entre os dias 22 e 23 de abril de 2021. Isso equivale a 25% do total da população do município em dois dias. É altamente improvável que algo assim tenha ocorrido. Todas as 3543 vacinas "vencidas" foram aplicadas no dia 22 (3086), no dia 23 (447) ou no dia 26 (10) do mesmo mês. As vacinas do lote 4120Z005 começaram a ser aplicadas em fevereiro de 2020. Depois, entram em um período de hibernação até serem redescobertas em abril, quando 3000 vacinas estragadas são aplicadas em um só dia. Parece improvável, né?", resumiu.

É compreensível a pressão pela audiência, pelo faturamento, pela sobrevivência. Nada, porém, justifica o negacionismo jornalístico. Nesta semana, a Folha serviu de bucha de canhão para um cavalo de troia bolsonarista ser instalado na CPI da Covid e para os antivaxxers das redes sociais. Um jornal centenário não pode se prestar a esse papel.