"Schumacher" humaniza sem apelar ao sensacionalismo barato

Quem cresceu assistindo à Fórmula 1 na Globo sabe como Michael Schumacher sofreu para ser respeitado no Brasil. Com a morte de Ayrton Senna, em maio de 1994, o piloto alemão passou a ser tratado como o grande vilão da categoria. Só depois do bicampeonato, conquistado antecipadamente no ano seguinte, a emissora entendeu que atleta não protagoniza novela. Protagoniza esporte.

E é o esporte o fio condutor de "Schumacher", bom documentário lançado mês passado pela Netflix. Das pedras quebradas no kart à precoce e ousada estreia na Fórmula 1, o longa destrincha a ascensão do primeiro heptacampeão mundial sem extremismos. Entre mancadas e bandeiradas, a carreira do piloto alemão que revolucionou o esporte é apresentada com a objetividade que ele encarava as curvas de Hungaroring ou Magny Cours. Há espaço para glórias e deslizes, elogios e críticas. Ninguém quis construir um herói, um mocinho. E margem para isso havia de sobra.

O estado de saúde incerto de Michael é abordado marginalmente pelo documentário, ainda que a pressão por imagens inéditas surgisse de todos os lados. O respeito à família é compensado com bons depoimentos de Corinna, sua esposa, e Gina e Mick, seus filhos. Pelos olhos deles, descobrimos um Schumacher extrovertido e brincalhão, que tirava a mesa e lavava a louça após o jantar, bem diferente daquele que nos acostumamos a ver no alto do pódio, com as mãos entrelaçadas.

Os 112 minutos de "Schumacher" são insuficientes para cobrir a (ainda incompleta) biografia do alemão. Quem der play no documentário esperando depoimentos de Jacques Villeneuve e Rubens Barrichello, dois de seus maiores desafetos na Fórmula 1, vai se decepcionar, por exemplo. Aqui, vale a máxima do início do artigo. Atleta protagoniza esporte. E documentário não é novela.