TV não deu a Senna o direito de morrer

Mesmo que o anúncio da morte de Ayrton Senna tivesse acontecido na pista de Ímola e não no hospital Maggiore, algumas horas depois do acidente na curva Tamburello, o martírio de seus parentes e amigos duraria mais quatro dias.

Globo, Manchete, Band, Record e SBT fizeram da morte de Senna um espetáculo arrastado e apelativo, em que a informação deu espaço para a espetacularização.

Ainda no domingo, 1º de maio de 1994, Globo e Band dispensaram a razão. Logo depois do plantão em que Roberto Cabrini deu a notícia que “jamais gostaria de dar” e oficializou o óbito do tricampeão, todos partiram para o tudo ou nada da emoção. Com equipes em frente ao prédio da família Senna, repórteres cobravam explicações implausíveis – se os jornalistas que estavam na Itália não tinham informações sobre a batida, por que aquelas pessoas, a milhares de quilômetros de distância, teriam? – e ensaiavam frases de efeito sobre coragem, paixão e determinação.

O “showrnalismo” deu resultado. Faustão subiu de 25 para 33 pontos de audiência. O “Show do Esporte” atingiu picos de 10, reduzindo a distância pra o “Programa Silvio Santos”. A Manchete, com a grade noturna, chegou a quatro pontos. Exibido pontualmente às 20h00, o “Fantástico” cresceu 50%, com média de 51 pontos e picos de quase 60. Naquela noite, quase 80% dos televisores estavam ligados. E a busca por Senna só aumentava.

Entre os dias 2 e 5 de maio, o “Jornal Nacional” ignorou o noticiário político e a resposta do mercado ao recém-implantado Plano Real. Tudo o que importava era a imagem de Senna. Musical com Milton Nascimento, editorial atacando Schumacher, simulações computadorizadas do acidente em Ímola. A Globo, por quatro intermináveis dias, uniu a central de jornalismo ao Projac. O drama narrado por Cid Moreira e Sergio Chapelin registrou 57 pontos de média e picos de 63. Apenas o SBT, com um tributo improvisado no “Aqui Agora”, conseguiu chegar aos dois dígitos no ibope no confronto com as vozes do Brasil.

De todos os atos da tragédia automobilística, dois fizeram Leonardo Senna, irmão de Ayrton, reclamar publicamente da falta de respeito da selvageria das emissoras de TV: a cobertura da chegada do corpo do piloto, no dia 4 de maio, e seu enterro, na manhã seguinte. Com clipes que uniam cenas do ídolo a trilhas melancólicas (até o tema da vitória ganhou versão fúnebre) e muitas, muitas imagens de brasileiros emocionados, a Globo bateu a Manchete por 38 a 4 com o transporte do caixão à Assembleia Legislativa de São Paulo, sede do velório, e aplicou 44 a 6 no SBT com a transmissão do cortejo ao cemitério do Morumbi.

Para a TV, Senna só morreu mesmo na sexta-feira, 6 de maio, quando Galvão Bueno, exemplo de bravura na transmissão da corrida, deu seu adeus no “Globo Repórter”.

Desrespeito campeão.