A Folha de São Paulo publicou no dia 25 de dezembro uma análise dos acontecimentos mais marcantes da televisão em 2016. Embasados pelos métodos e critérios da revista Capricho, oásis analítico da imprensa brasileira, os repórteres Roberto de Oliveira e Gabriela Sá Pessoa abrigaram suas escolhas nas imponentes seções "o que amamos ver" e "o que preferíamos não ter visto", elegendo a série "Justiça" o grande destaque da temporada.
No passado, quando desejavam falar bem de uma novela ruim, os colunistas apelavam a elementos técnicos, como a fotografia das cenas, para engambelar o leitor e simular erudição. Menos prudentes, os críticos atuais arriscam comentários sobre os roteiros e a profundidade psicológica dos personagens.
"Justiça" não pode, ao mesmo tempo, colecionar "furos de roteiro" e ser "uma das melhores ficções que a televisão já produziu", como pregam Roberto de Oliveira e Gabriela Sá Pessoa. Um fator obviamente anula o outro. Nenhum bom drama da TV americana - e não é preciso citar os grandes roteiros da TV paga. "The Good Wife" já serve de parâmetro - receberia salva de palmas da imprensa americana se recorresse a expedientes simplórios, rasos, para fechar um arco de 20 episódios.
Pior que a contradição é a saraivada de adjetivos em uma resenha de 415 toques - saudades do velho "TV Folha". "Justiça" foi descrita como "ousada" e "visceral" por emaranhar cinco "dramas de vingança", seja lá qual for o significado disso. Pois bem. Mesclar núcleos, histórias, não é novidade nem no Brasil. A mesma estrutura foi aplicada em "Sala de Terapia", adaptação da ótima "In Treatment".
Roberto de Oliveira e Gabriela Sá Pessoa não foram, claro, os únicos entusiastas de "Justiça" na imprensa. Todas as revistas semanais aplaudiram a série, destacando as cenas fortes (sexo e cigarro agora são contracultura?), a trilha sonora invocada (até a Alpha FM toca "Hallelujah") e os temas polêmicos debatidos pelos autores Manuela Dias e José Luís Villamarim (eutanásia é tema comum nos EUA há décadas). Para alguns comentaristas, falta bom senso. Para outros, assistir mais TV.
A relação da imprensa com o audiovisual é duplamente danosa. Atrapalha o leitor, que busca conteúdo para formar a própria opinião, e os produtores de conteúdo, que acreditam no que é publicado e perpetuam modelos ruins. Não é por acaso que a única vitrine bem-sucedida do Brasil, a HBO, é solenemente ignorada pelos maiores veículos. Porque discutir "Justiça" onde se produz "O Negócio" é um pecado.