Por Fernando Morgado
Existe um grupo de pessoas que cresceu exponencialmente nos últimos anos: o dos críticos de TV. Muitos se sentem capazes de tecer comentários a respeito de pessoas e programas sem possuírem qualquer estofo para tal. Parecem assistir televisão de costas. Menosprezam o povo ao mesmo tempo em que correm atrás dele com suas manchetes caça-clique. Se seus artigos fossem espremidos, não sairia sangue, como nos velhos jornais populares. Sairia bile.
Por trás desse fenômeno, está a ignorância, mãe de todo preconceito. Qualquer produção, por mais simplória que seja, é consequência de processos econômicos, históricos, políticos e sociais que precisam ser devidamente estudados. Teoria e prática: dois mundos tão distantes e que, até hoje, poucos tiveram a capacidade – e a coragem – de aproximar. Nelson Hoineff, falecido no último domingo (15/12), foi um desses guerreiros.
Nelson foi um dos maiores pensadores de televisão do mundo. Somente ele era capaz de recorrer à Kant, Fellini – sua grande paixão no cinema –, Nino Rota e Russell A. Newman para mostrar que Ratinho, com seu controverso programa na Record, lutava contra o "império da burrice" que "vocifera pela hegemonia da mediocridade". "Talvez fosse proveitoso cogitar que o verdadeiramente bizarro seja a fome de rotular o que apenas é diferente. As etiquetas sobram onde o conhecimento está em falta", escreveu Nelson em um artigo publicado na edição de 14 de março de 1998 da "Folha de S. Paulo".
Tive o privilégio de desfrutar de uma longa e profunda amizade com Nelson Hoineff. Durante uma das muitas conversas que tivemos em sua bela cobertura duplex defronte à praia do Leme, ele me disse: "Veja que curioso. Quem faz cinema também costuma pensar cinema. Já quem faz televisão não costuma pensar televisão. Temos que mudar isso". Mais que uma constatação, era uma convocação. Lembro dela sempre que começo as minhas aulas de Televisão Mundial na FACHA, faculdade onde ele coordenou as graduações em Radialismo e Cinema.
Conforme Les Brown, autor do clássico “Encyclopedia of Television”, escreveu na apresentação do livro "A nova televisão" (1996): "Nelson Hoineff não é um futurista, mas um jornalista que trabalha internacionalmente e tem os pés bem plantados no mundo prático. [...] A nova televisão [...] pode ser retratada com mais credibilidade por um autor [Nelson Hoineff] que não só entende como e por que as coisas acontecem, mas também conhece o componente humano da equação".
Além de programas de televisão – com destaque para o premiadíssimo e líder de audiência "Documento especial" –, filmes – como o maravilhoso documentário "Caro Francis" –, livros, artigos, aulas e eventos, Nelson Hoineff deixa um grande exemplo: o de que é possível e, sobretudo, necessário se levar televisão a sério.
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Sobre Fernando Morgado
Professor, palestrante e consultor nas áreas de marketing, inteligência de mercado e comunicação. Possui livros publicados no Brasil e no exterior, incluindo o best-seller "Silvio Santos: a trajetória do mito" e o recém-lançado "Comunicadores S.A.". Membro da Academy of Television Arts & Sciences, entidade realizadora do Emmy, maior premiação da TV mundial. Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM. Site: fernandomorgado.com