Por Fernando Morgado
As redes sociais, de fato, exerceram um papel fundamental nas eleições de 2018. Contudo, é equivocado pensar que, por isso, a TV perdeu a sua condição de protagonista.
Antes de avançar nas razões que sustentam as afirmações acima, é fundamental esclarecer que este texto não pretende julgar se as ideias defendidas por qualquer candidato são corretas ou não, mas discutir a forma como elas foram apresentadas e difundidas.
Jair Bolsonaro não é um meme que virou presidente. É um homem que, há pelo menos quatro anos, pôs em marcha um ousado plano de poder. Para cumpri-lo com sucesso, tinha consciência que precisava se tornar mais conhecido fora do seu reduto eleitoral, o Rio de Janeiro. Nesse sentido, dobrou a aposta em uma furiosa defesa de anseios comuns à parcela expressiva da população — como o recrudescimento do combate à violência, por exemplo — e sintetizou temas delicados em falas de compreensão imediata — caso do famigerado "kit gay". Tal fórmula resultou naquilo que todos os veículos de comunicação, sem exceção, mais querem: pautas atraentes. Essa obsessão é sintetizada por um clamor que alguns repórteres, em busca da polêmica perfeita, fazem para os seus entrevistados: "Vamos buscar aquela manchete?".
Não demorou para que o capitão da reserva se transformasse em objeto de desejo dos programas de TV, especialmente os de humor e os de auditório — dois gêneros que historicamente são alvo de preconceito por parte das elites, inclusive a política. Alguns entrevistadores chegaram a pensar que a forma jocosa com que tratavam Bolsonaro seria suficiente para fazer os brasileiros rejeitarem o atual presidente eleito. Ledo engano. Monica Iozzi, atriz que atuou no humorístico CQC, fez até um mea-culpa nesse sentido: "Eu me arrependo de ter entrevistado ele [Jair Bolsonaro] tantas vezes". Em outras palavras: ela lamentou por não ter praticado autocensura — que, por óbvio, é um tipo de censura — e ter dado espaço a um parlamentar que julgava ser de "uma incompetência assustadora".
A palavra, portanto, é espaço. Fosse com seriedade ou com galhofa, o fato é que poucos políticos tiveram tanto tempo de TV nos últimos anos quanto Jair Bolsonaro, e esse tempo cresceu ainda mais após o atentado que sofreu em Juiz de Fora. Quem chega ao dia da votação com tal vantagem não precisa se preocupar com mais ou menos segundos de horário político. Sua fama já está feita.
Foi na televisão onde Bolsonaro nasceu como produto de mídia e foi dela que partiu a maioria dos vídeos disseminados nas redes sociais, cuja principal função nessas eleições foi a de manter vivo o nome, a imagem e o discurso de Bolsonaro na mente daqueles que já eram seus eleitores, fazendo crescer as tão faladas "bolhas ideológicas". As redes sociais, portanto, serviram principalmente como ferramentas de fidelização. Em geral, ativistas de hashtag pregaram para convertidos.
A televisão também foi decisiva nos embates estaduais. Em São Paulo, por exemplo, João Doria, com suas décadas de experiência diante das câmeras, sabia o que falar e como falar. Durante todo o tempo, dedicou aos petistas discursos tão duros quanto aqueles que fazia para os participantes d'O aprendiz.
Vários paradigmas foram quebrados durante as eleições de 2018. Um dos mais relevantes foi a redução da importância do horário político. Isto, porém não quer dizer que toda a TV tenha perdido relevância, pelo contrário. Vitórias como as de Jair Bolsonaro e João Doria demonstram que a TV, apoiada pelas redes sociais, continua sendo uma poderosa ferramenta de construção de imagem, desde que ela seja trabalhada de forma permanente, e não apenas durante o período determinado pelo TSE.
Fernando Morgado é professor, consultor e membro da Academy of Television Arts & Sciences, entidade realizadora do Emmy, maior premiação da TV mundial. Autor de vários livros, incluindo o best seller "Silvio Santos: a trajetória do mito" (Matrix Editora). Site: fernandomorgado.com.br