Autobiografia de Aguinaldo Silva chega às lojas em julho

"Meu Passado Me Perdoa: Memórias De Uma Vida Novelesca", autobiografia de Aguinaldo Silva, chegará às lojas físicas e digitais no dia 10 de julho.

"A obra reconta o percurso de um homem dedicado à escrita e à ação. Sobretudo, expõe a trajetória de alguém que tinha pouca coisa a seu favor e que soube transformar episódios e pessoas que cruzaram seu caminho em matéria de ficção — principalmente nas novelas que mesmerizaram gerações. Da airosa cena gay no Recife dos anos 1960 aos inferninhos da Lapa carioca, das redações de jornal aos estúdios de televisão, de anônimos a estrelas da tv, estas memórias revisitam — com leveza narrativa e cenas emocionantes — a vida de um dos grandes contadores de histórias surgidos no Brasil", explica a editora Todavia.

Com 400 páginas, o livro tem dois preços sugeridos: R$ 69,90 (versão digital) e R$ 89,90 (versão física).

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LEIA UM TRECHO DE "MEU PASSADO ME PERDOA: MEMÓRIAS DE UMA VIDA NOVELESCA"
Até hoje não sei o que levou José Bonifácio de Oliveira Sobrinho a pensar que eu poderia ser um novelista de televisão. Entre as histórias que correram a respeito, gosto de ressaltar aquela segundo a qual a ideia de me lançar no gênero partiu de Janete Clair, a maior de todos os novelistas, que, depois de assistir a alguns capítulos da minissérie Bandidos da Falange, de minha autoria, teria comentado com Boni: “Esse rapaz devia escrever novelas”.

Talvez isso seja apenas uma lenda, mas é como se diz: se a lenda é melhor que a realidade, então que se imprima a lenda. Por isso, prefiro acreditar que a possível intervenção de Janete Clair junto a Boni é que me levou ao trabalho que ocuparia boa parte da minha vida profissional, durante a qual escrevi dezesseis novelas.

De qualquer modo, antes de poder encarar a nova profissão eu precisava vencer uma barreira: como já disse, não sabia nada de novelas e não havia sido sequer um espectador ocasional de alguma delas. Na verdade, tinha até um certo preconceito contra o gênero. Nesse caso, o que me levou a escrevê-las? E eu serei bem franco na resposta: foi o salário que a emissora me ofereceu para fazê-lo. Porque, na minha humilde opinião, se há uma coisa que não se deve fazer na vida é trabalhar de graça para quem quer que seja. Tudo tem seu preço, ainda mais quando se trata de trabalho. O salário de novelista era bem maior que o de autor de minisséries ou seriados. E não pelos belos olhos azuis dos seus autores,
mas porque havia uma razão crucial para tanto: o que as novelas rendiam em matéria de grana, bufunfa, dinheiro. Do ponto de vista do faturamento, elas eram o carro-chefe da programação da emissora, principalmente a então chamada “novela das oito”, aquela que ia ao ar no horário nobre.

Então, em 1987, menos de dois anos depois de Roque Santeiro, Boni me chamou e disse que eu iria escrever, agora como autor solo, a próxima novela das oito.

Naquela época eu lera uma história de Graham Greene sobre a figura do Duplo e andava obcecado pelo tema: “Em alguma parte do mundo existe alguém absolutamente igual a você do ponto de vista físico; e se você e seu Duplo se cruzassem por artes do destino... e um acabasse ocupando o lugar do outro?”. Foi esse o ponto de partida da história — intitulada O Outro — que apresentei à Globo e que foi imediatamente aprovada por Boni.

Não posso dizer que, nessa minha estreia solo, naveguei num mar de rosas — pelo contrário, durante a produção e a exibição da novela enfrentei variados percalços. Tive até que tomar a atitude extrema de matar um dos personagens principais da história porque o ator que o vivia, José Lewgoy, nos bastidores era um desagregador nato e tinha escolhido o autor da trama, ou seja, eu próprio, como alvo principal dos seus comentários maldosos.

Lewgoy, grande como ator e bon vivant, era um veterano que começara no cinema brasileiro e fizera filmes até na França. Matar seu personagem foi um ato extremo e de muita coragem, já que ele era o segundo nome masculino do elenco e, além disso, era muito querido pela mídia da época. Claro, depois desse houve casos de mortes ainda mais radicais em novelas. Como, por exemplo, aquele no qual meu querido e nunca por demais pranteado Gilberto Braga teve que acatar um ultimato de Boni e matar Vera Fischer, protagonista de Pátria Minha, por causa dos problemas muito sérios de bastidores que, de acordo com a versão não oficial divulgada na época, estavam prejudicando o bom andamento da novela.

Essas histórias supostamente ocorridas nos bastidores de Pátria Minha me serviram de inspiração em 98 tiros de audiência, o último dos romances que escrevi, no qual a protagonista de uma novela das oito é morta a tiros e todos que a rodeiam — incluindo seus companheiros de elenco — acabam por se tornar suspeitos do crime.

A publicação do livro causou certo rumor nos corredores da emissora, já que várias figuras da vida real (não apenas atores e diretores, mas também executivos) se viram nele retratadas de modo por vezes negativo. Quanto a isso, não digo nem que sim nem que não. Mas quanto ao egocêntrico, inseguro e neurótico autor de novelas que é personagem do livro, não abro mão de identificá-lo sempre que posso: sim, sou eu mesmo, muito prazer.

E aqui, a propósito de fofocas, crises de mau humor e até agressões ou tentativas de homicídio na ficção sobre o tema, vale a pena fazer um comentário sobre o que são os bastidores de uma telenovela. Neles o dia a dia dos atores — ao contrário do que alguns deles propagam e certas redes sociais confirmam — não é um mar de rosas. Não é nada fácil enfrentar a rotina das gravações (em geral cinco ou até seis dias por semana) e o desgaste emocional e físico que a criatividade exigida pela profissão lhes causa. Nas locações, por mais que a produção seja eficiente, as condições de trabalho são em geral complicadas. E mesmo nos estúdios o trabalho exige deles, às vezes para gravar apenas uma cena, sem falar nas repetições, um longo tempo de espera nos camarins e corredores.

A sucessão dos dias e os longos períodos de convivência entre os atores fazem com que esse processo se torne cada vez mais desgastante para eles.

Some-se a isso o clima de competição natural entre profissionais que lutam por um lugar ao sol, às vezes inalcançável, joguem tudo dentro de um caldeirão e o resultado é um belo de um cozido de vísceras, nervos e rivalidades. Se tudo corre bem na novela, se ela é um sucesso de audiência e se os críticos decidem que vale a pena assistir a ela, tudo que enumerei antes é bastante suportável. Mas se acontece o contrário e se, ainda por cima, existe no ambiente alguém decidido a torná-lo ainda mais difícil, aí talvez o autor tenha que matar se não o desagregador, pelo menos o seu personagem.

Ao longo das minhas dezesseis novelas enfrentei várias crises de bastidores. A maior delas na última, O Sétimo Guardião, sobre a qual, talvez — e friso bem o talvez —, apenas como dever de ofício, eu me anime a escrever mais adiante.

Além dessa de bastidores, que me levou a matar o personagem de José Lewgoy, O Outro enfrentou outras crises. Uma delas foi o troca-troca de diretores. Houve dias em que a novela simplesmente não tinha um deles a comandá-la, e então era preciso improvisar: até o ator José de Abreu, que também fazia parte do elenco, chegou a dirigir algumas cenas, sem falar nas vezes em que o próprio Daniel Filho desceu de sua condição de executivo e foi fazer aquilo que ele sempre fez de melhor — a direção de cenas no estúdio.

Naquela época a audiência das novelas, o chamado Ibope, era um segredo que só interessava à cúpula da emissora e por isso ficava guardado a sete chaves e sem que o autor tivesse acesso a ele. Por isso, só muitos anos depois soube que O Outro, segundo o comentário feito por Daniel Filho numa reunião, “deu uma puta audiência”: 57,01 para ser exato.

Se os autores dão importância a esses números do Ibope? Claro que sim. E não apenas pela vaidade de saber que o trabalho deles é apreciado por 40, 50 milhões de espectadores por noite, mas também porque estão cientes de que é isso que a emissora quer — as altas audiências capazes de atrair mais e mais anunciantes.

O Outro teve o seu último capítulo exibido no dia 10 de outubro de 1987. Minha novela seguinte, Vale Tudo, uma parceria com Gilberto Braga e Leonor Bassères, estreou no dia 10 de maio de 1988. E a que escrevi depois dessa, Tieta, teve o primeiro capítulo exibido no dia 14 de agosto de 1989, o que significa que no espaço de três anos escrevi três novelas, o que não deixa de ser um recorde.