O que está por trás das demissões na Globo

Duas leituras dominam o noticiário sobre as demissões que esvaziam a Globo. A otimista banca que todos os movimentos tomados pela família Marinho são friamente calculados e que Lineu e dona Nenê em breve comprarão casa na praia. A pessimista vaticina que o império está mesmo em queda e que ninguém poderá impedir a ascensão da mídia conservadora, liderada por Tutinha, o Boni do espigão da Paulista. A realidade, como é hábito no Brasil, é bem menos excitante.

Maior TV aberta do Brasil, a Globo corre contra o tempo para ajustar suas contas a uma realidade imposta pela internet no começo do século: a descentralização da publicidade.

Os jornais e as editoras foram as primeiras vítimas desse rearranjo forçado. Primeiro, a digitalização da informação reduziu drasticamente a tiragem dos veículos, colocando em xeque seu alcance. Em seguida, incutiu a ideia de que as redes sociais e os algoritmos deveriam substituir o fluxo normal da produção de notícias. Por fim, subordinou as redações ao modelo comercial do Google, baseado na partilha do desenho do Pica Pau: um pra mim, um pra você; dezessete pra mim, um pra você.

Com 7,2 pontos de audiência e 20,3% de participação de mercado em São Paulo, os "conteúdos online" (e é importante frisar: qualquer coisa pode ser classificada como "conteúdo online", inclusive canais pirateados no YouTube e nas BTVs) não têm força para subjugar a Globo, dona de 11,3 pontos e 32,1% de participação de mercado, mas possuem dinheiro para inflacionar os direitos de exibição de séries, filmes e esportes e o discurso perfeito para persuadir os anunciantes --"por que gastar milhões de reais em uma velha rede de TV se você pode gastar milhares de reais na minha novíssima plataforma, onde você não corre o risco de ser trocado na hora do intervalo?".

Os anunciantes começaram a mudar a rota do investimento nas emissoras que estão abaixo da Globo. A Record deixou de lado os gastos exorbitantes para ser líder. O SBT abriu mão da programação infantil, deficitária, e refez o departamento de esportes, algo impensável até 2018. A Band buscou novos parceiros e concentrou suas fichas na Fórmula 1. A RedeTV!, que transmitia a Premier League até outro dia, hoje exibe entrevistas com José Dirceu. Todas mudaram de escopo e refizeram contas. Faltava a Globo entrar na roda.

Com menos dinheiro no mercado e muito mais gastos, era inevitável o fim da política de contratos inflacionados e intermináveis do Grupo Globo. Vilipendiada pelo câmbio e com projetos adiados pela pandemia, a Globo começou o remanejamento abrindo mão de eventos esportivos --a Libertadores permaneceu no SBT durante três anos, para se ter ideia-- e contratos com grandes distribuidoras. Dado o péssimo retrospecto dessa estratégia, que permitiu à Band ser líder de audiência durante Chelsea x Palmeiras, em 2022, os cortes chegaram aos recursos humanos.

A despeito da gritaria dos sindicatos, que cumprem o papel deles ao protestar contra o “etarismo” do passaralho do Projac, a Globo rescinde e demite os profissionais mais experientes por razões meramente financeiras. Os mais jovens podem ser mais bonitos e bem dispostos, mas só estão em alta por serem mais baratos. Quem chega à Globo —ou a qualquer outra grande empresa da velha mídia— agora não pode esperar os salários dos tempos das vacas gordas. Deve esperar contracheques menores e, quem sabe, a benção para lucrar como influenciador, outra peça inimaginável neste quebra-cabeças.

Ex-funcionários da Globo disseram, nos últimos dias, que os cortes nos departamentos de jornalismo e esportes continuarão nas próximas semanas. É uma projeção elegante. Os Jogos Olímpicos de 2024 demandam alto faturamento e os investimentos no Globoplay não são pequenos. Com a economia do país andando a passos de tartaruga e o escancarado esgotamento do modelo das plataformas pay per view —a HBO acaba de manifestar o desejo de incluir comerciais no streaming, estratégia que ela jamais aplicou na TV Paga, onde a taxa de evasão de assinaturas, devido à impossibilidade de se compartilhar senhas, é muito menor—, afirmar que o pior já passou é prestar assessoria de imprensa.