O comportamento da Globo na campanha "Diretas Já"

Em 1990, Armando Nogueira concedeu ao "Roda Viva", da TV Cultura, sua primeira grande entrevista como ex-diretor de jornalismo da TV Globo. Franco, ele admitiu que a emissora comeu bola na cobertura da campanha "Diretas Já" --e disse o porquê.

"Olha, eu poderia ficar defendendo uma tese aqui a respeito de quem é que exerce a pressão, qual o papel da sociedade, qual o papel da televisão. Objetivamente, aquele episódio... e é sabido historicamente que a Rede Globo entrou na cobertura das Diretas, com um atraso de pelo menos duas semanas. Evidentemente que a Rede Globo estava debaixo de uma pressão política do Palácio do Planalto. No meu caso particular, como fui citado por você, poderia lhe dizer, invocando o seu testemunho de que não fui eu o censor; aliás frustrado porque a Rede Globo acabou transmitindo o comício da Candelária. E aí eu gostaria de convidar vocês a fazer uma reflexão comigo. É que a televisão não é um veículo revolucionário, a televisão não é um veículo de vanguarda. Ela é de vanguarda tecnologicamente falando, mas politicamente, por ser uma entidade de direito público, por estar presa ao Estado, a televisão não tem a desenvoltura, do ponto de vista da liberdade, que tem um jornal, que é uma entidade de direito privado. Sobretudo em países como o nosso, em que a democracia continua a ser aquela planta tenra do doutor Otávio Mangabeira [(1886-1960), líder liberal, foi ministro das Relações Exteriores e governador da Bahia, autor da frase: “No Brasil, a democracia é uma planta muito tenra e exige todos os cuidados para não fenecer”.]", disse.

"Então havia uma pressão do Palácio do Planalto para que a Rede Globo ignorasse o comício da Sé. No caso do doutor Roberto Marinho, eu imagino que ele tenha sofrido uma pressão muito maior do que aquela que nós sofremos. Porque os telefonemas eram diretos para ele. Não sei nem se era do doutor Leitão de Abreu, não sei de quem era, sinceramente, mas era do Palácio do Planalto. Acontece o seguinte: a reflexão que eu quero que vocês façam comigo é que no momento em que o Estado – e era um Estado arbitrário – exercia uma pressão sobre a televisão, a sociedade começou a se mobilizar. Ela, a sociedade, [começou] a tomar consciência cívica do seu momento; e a sociedade, através de todos os meios que estavam ao seu alcance, encostou o governo na parede, encostou a Rede Globo na parede, e nós pudemos transmitir o comício da Candelária na sua integridade. Um espetáculo maravilhoso, ao qual a Rede Globo deu uma dimensão maior, ainda considerando a grande audiência da Rede Globo", prosseguiu.

"Houve realmente uma tentativa de impedir que a Rede Globo transmitisse o acontecimento. Mas quando a sociedade toma consciência do seu papel, ela consegue se sobrepor ao Estado. E foi o que aconteceu. E como a televisão é um veículo sempre solidário com o poder dominante, no momento quem dominava a consciência nacional era a sociedade. Eu acho que foi aí um dos raros momentos em que a sociedade brasileira se exprimiu e se exprimiu na sua plenitude, foi nas Diretas", concluiu.