"Os Incríveis 2" compete com qualquer filme "adulto" de ação
Brad Bird é um dos mais eficientes e criativos diretores de ação trabalhando no momento. Mesmo com uma carreira mais voltada à animação, o diretor de "Ratatouille" é responsável pelo melhor “Missão Impossível” da franquia – “Protocolo Fantasma”, é claro – e pelas sequências de tirar o fôlego no problemático, mas muito bem coreografado, “Tomorrowland”. Há críticos americanos que consideram a sua obra-prima, “Os Incríveis”, como o melhor filme de super-heróis já feito, apesar de tudo o que a Marvel ou Christopher Nolan produziram ao longo dos anos. Bird é também um dos raros diretores que compreende a animação como uma mídia e não como um gênero: suas animações não são infantis, lidam com personagens complexos e temas adultos, sempre com ritmo, precisão, senso de humor e estilo.
Quase quatorze anos depois do original, “Os Incríveis 2” chega aos cinemas brasileiros. A continuação, contudo, segue a história da família Parr (ou “Pêra”, no Brasil) logo após os acontecimentos do primeiro filme. Em uma sociedade onde os heróis ainda são banidos da vida pública por causar danos e prejuízos aos cidadãos – vale lembrar do suicida que processou o Sr. Incrível por ignorar a sua vontade de morrer e salvá-lo mesmo assim –, a família tem de decidir entre o que seria legal (esquecer os próprios poderes e viver sob o anonimato) e o que seria moral (obedecer a própria natureza e ajudar aos outros, mesmo desafiando a lei).
Para reconquistar a opinião pública e reverter a proibição à atividade dos heróis, o magnata Winston Deavor (voz de Bob Odenkirk) escolhe a Mulher-Elástica (Holly Hunter), e não o Sr. Incrível (Craig T. Nelson), como garota-propaganda da causa. O motivo? De acordo com as estatísticas de Evelyn Deavor (Catherine Keener), a Mulher-Elástica provoca menos destruição e casualidades do que o seu marido. Assim sendo, o Sr. Incrível tem de se acostumar com o papel de Beto Pêra, pai e dono de casa, enquanto sua esposa sai para salvar o mundo. Em vez de capturar bandidos, seus novos desafios incluem lidar com a adolescente Violeta, ajudar na lição de casa do Flecha e cuidar de Zezé, um bebê mais do que hiperativo.
A inversão dos papéis tradicionais, em contraste com a estética modernista da metade do século XX, não deve ser vista como um acerto de contas entre os gêneros, “marxismo cultural" ou produto da era #MeToo. Em “Os Incríveis 2”, Beto tem de vencer o orgulho e a vaidade para entender que o sucesso de sua esposa é também o seu sucesso, a felicidade de seus filhos e o futuro de todos os outros super-heróis que dependem da mudança da lei para serem aceitos em sociedade. Não há conflito entre homem e mulher quando se percebe que o objetivo de ambos é o mesmo. Bird não precisa “empoderar" a Mulher-Elástica se ela sempre possuiu poderes. E o Sr. Incrível não se torna menos incrível por executar as funções de pai.
Com toda a dinâmica da família em jogo, o vilão de “Os Incríveis 2” parece menos importante do que o do original. Com um discurso genérico sobre como os heróis tornaram a população preguiçosa e incapaz de resolver os próprios problemas, o Hipnotizador utiliza a tecnologia do dia a dia para hipnotizar pessoas comuns e fazer com que elas obedeçam a seus comandos nefastos (é necessário avisar que, por causa de luzes piscantes, algumas cenas podem causar convulsão em portadores de epilepsia). O Hipnotizador é um vilão apropriado em tempos de desinformação nas redes sociais e defesa cega de figuras totalitárias, mas não carrega o mesmo peso dramático do fã humilhado que tenta tomar o lugar de seus ídolos.
Mesmo sem a força e a novidade do primeiro filme, “Os Incríveis 2" é, sem dúvida, um dos melhores lançamentos de 2018 e um dos títulos mais vigorosos da Pixar – já quebrando, inclusive, recordes de arrecadação nos Estados Unidos. A ação é mais empolgante do que a de qualquer “007”, “Vingadores" ou “Liga da Justiça” e compete em caráter de igualdade com as sequências mais clássicas de “Indiana Jones” ou até mesmo com a melhor perseguição de carros do cinema, de acordo com Steven Spielberg (“O Castelo de Cagliostro”, de Hayao Miyazaki, outro gênio da animação). A trilha sonora de Michael Giacchino só complementa a sofisticação da trama e do visual.