Um beijo no gordo
Eu não sabia que Jô Soares estava internado e não imaginava, nem remotamente, que acordaria com a notícia de sua morte nesta sexta-feira. Fiquei profundamente triste.
Conheci Jô Soares aos 5 ou 6 anos de idade. Minha casa era tão simples que não tinha sala. Minha cama ficava no cantinho do quarto dos meus pais, que era só um pouquinho maior que a cozinha. Dividíamos tudo, inclusive a única TV, uma Phillips valente, de 20 polegadas, que sobreviveu por 32 anos. Sempre que eu via aquele gordo simpático, sabia que era hora de dormir, a pior de todas. Ao mesmo tempo em que eu tinha a angústia de fechar os olhos e, na minha cabeça de criança, temer um rapto ou algo assim, ficava confortável e feliz com a voz mansa e o jeito bonachão de Jô. E assim perdia o medo de ser abduzido por aliens e vendedores de Shark Cartilagem de Tubarão no meio da madrugada.
Nunca esquecerei do dia em que Gugu quis hipnotizar uma galinha no "Jô Soares Onze e Meia". Sempre lembrarei da maravilhosa ação com Luiza Ambiel na Banheira. Guardarei, com o mesmo carinho, flashes das passagens de Mamonas Assassinas, Tiririca, Hebe Camargo, Maguila, Ratinho, Jaspion (!), Jim Davis, Quico, do camelô palestrante e daquele gago que anos depois quis ser vereador em uma cidadezinha do interior do país.
Jô Soares foi meu amigo e de milhões de telespectadores por quase três décadas. TV, ainda que essa enxurrada de formatos estrangeiros aponte o contrário, é pertencimento, proximidade, cumplicidade. E Jô sabia ficar perto da gente, na telinha brilhante, sem ser indesejável ––até o bongô a gente tolerava.
Um beijo no gordo.