Ivete Sangalo e a balela do "artistas precisam se posicionar"
A internet é uma enorme rede de extorsão intelectual. Duvidam? Perguntem a Ivete Sangalo. No último fim de semana, ao lamentar as 500 mil mortes por Covid-19 no Brasil, a cantora escreveu que a tragédia sanitária era real, estarrecedora e ia além da questão partidária. Por mais óbvia que fosse a mensagem de repúdio ao governo federal, a patrulha só deixou Veveta (não queria repetir 'Ivete') em paz nesta tarde, quando ela desenhou seu desdém por Bolsonaro. "É importante se posicionar", dizem os sacanas. Acredita quem quer.
O Twitter e o Facebook rebaixaram a política à condição de editoria de entretenimento. Como se Donald Trump, Jair Bolsonaro e Lula fossem rostinhos bonitos da "People" ou da "Contigo", jornalistas deixam de escarafunchar a vida dos corruptos para descobrir o que os famosos pensam sobre Donald Trump, Jair Bolsonaro e Lula. É um mau negócio para a imprensa, que aceita ser refém do filtro subjetivo das big techs, um mau negócio para os artistas, que sempre estarão errados para parte do público, e um péssimo negócio para a política, que passa a ser controlada por animadores de plateia.
Quem ignora os frutos que a espetacularização da política oferece a tipos como Jair Bolsonaro costuma argumentar que os famosos têm responsabilidade no debate público e não podem deixar seus fãs no escuro. Isso é balela. A maior responsabilidade de Gusttavo Lima é cantar. A maior responsabilidade de Gloria Pires é atuar. Se eles não quiserem se manifestar politicamente, não devem ser obrigados. Se na década de 1990 Faustão não perguntava "FHC ou Lula?" para as meninas do sushi erótico, por que diabos repercutimos as opiniões de Batoré e Paulo Cintura quase trinta anos depois?
O Brasil sempre foi um cemitério de ideias. Não fosse, não teríamos tantos programas de debate a favor, em que os participantes ficam sessenta minutos concordando o tempo todo uns com os outros, e formatos como "O Grande Debate" por aí. A turba que obriga os artistas a descerem do muro sabe disso, mas não está nem aí com as consequências. Porque pouco importa o que o Felipe Dylon pensa. O importante é ele ser garoto-propaganda da causa, seja ela correta ou não.
A menina do sushi erótico era Lula ou FHC, hein?