Emílio Surita é o Silvio Santos do rádio

Operado para tratar um câncer, Emílio Surita é um daqueles comunicadores que o Brasil produz a cada cinquenta ou setenta anos.

Por um instante, e saiba que isso é possível, esqueça Jair Bolsonaro, Lula, João Dória e todos esses personagens menores do nosso cotidiano. Emílio, até pelo rumo tomado pelo "Pânico" de 2016 para cá, mais falado e menos musical, mais político e menos transcendental, passou a ser pintado como um reacionário da pior estirpe, um cidadão sem talento que dependia do saco escrotal dos homens da direita para permanecer relevante. É um erro. Uma injustiça.

O rádio brasileiro é celeiro de bons programas de humor. "A Hora do Ronco", "Chupim", "Café com Bobagem" e tantos outros que ainda sobrevivem no dial --agora digital-- demonstram a força e o talento dos nossos comunicadores. Acontece que o "Pânico", cujo nome permanece sem sentido, revolucionou essa bagaça, escalando a esteira comum da prestação de serviço rumo ao elevador da fama.

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Não existiu no Brasil, na década de 1990, nada mais divertido e inventivo que o "Pânico". E isso se deve basicamente pelo talento e pela inteligência de Emílio Surita. Foi ele quem soube reunir gente talentosíssima, engraçada mesmo, para compor um elenco hábil o suficiente para entreter a curto e longo prazo. Quem ouvia o programa de vez em quando invariavelmente ficava viciado. Acompanhar aquela gente boca suja, irresponsável, que xingava ouvintes, quebrava discos da Legião Urbana e cantava canções como "Macacaralho", aqui com participação de outros roteiristas, era imperativo. Havia cumplicidade e amizade com aquelas vozes, que um dia, com outra formação, parariam na TV.

Ah, a TV. Entrando no ar às 18h30, com 0 de ibope, e saindo às 20h, com picos de 13 em plena RedeTV!, o "Pânico na TV" está na história como o melhor produto do gênero na década de 2000. "A Hora da Morte" (nosso Jackass), "O Enterro do Anão" (o primeiro quadro a registrar dois dígitos), "Autoriza, Silvio", "Volta, Clô", "Sandálias da Humildade", "Invasão da Ilha de Caras", "Dia de Pobreza", "Frescura Dinâmica" e outras bizarrices, como o blecaute na emissora, em 2005, e o arco da quase saída para o SBT, no mesmo ano, monopolizavam a atenção do público, que por mais de uma década viveu zapeando entre Gugu e Faustão, e da imprensa, de certa forma atônita com a capacidade daquela trupe para criar assunto onde teoricamente não havia nada.

Os espectadores antigos do Pânico, e eu estou nessa bolha, certamente sentem falta da loucura dos anos 1990 e 2000. No único contato que tive com Emílio nesses dez anos de trabalho, ele simplesmente me disse que os tempos são outros e que nada daquilo funcionaria hoje. Eu discordei, mas calei a boca. Queria tirar uma foto e não queria correr o risco dele me mandar à merda. Mas reconheço que o programa de hoje, à sua forma, segue a fórmula do passado. Lá atrás, o entretenimento era propiciado pelas celebridades. Hoje, a política conduz a cultura pop. Quem identificou isso antes, como Emílio, conseguiu ajustar a rota e permanecer na crista da onda. E, mesmo fora da TV aberta, é inegável o que a marca "Pânico" representa no nosso mercado.

Emílio Surita é a prova que o rádio forma os grandes caras. Para quem cresceu depois de 1990, Emílio está para o rádio como Silvio Santos está para a TV. É gênio.

Podem voltar a falar de política.