O que Britney Spears e Oliver Anthony têm em comum

Alguns especialistas em política americana e trumpismo passaram os últimos dias levantando suspeitas sobre a autenticidade do sucesso de "Rich Men North Of Richmond", single de Oliver Anthony. Para a maioria deles, a canção, usada como manifesto por vários titãs do Partido Republicano, só chegou ao topo do Hot 100 da Billboard graças ao sajaegi, método de manipulação de paradas criado pelos fãs de K-Pop para inflar o número de streams (execuções) de suas músicas prediletas no Spotify e em outras plataformas, como YouTube e Deezer.

Hoje, realmente, é muito mais fácil forjar um hit nas paradas. Com scripts e bots afiados, qualquer exército de fãs pode criar unanimidades efêmeras, seja numa playlist, num Google Trends ou numa votação de Big Brother. Acontece que esse método não é novo. Ele surgiu quase três décadas atrás, antes do MSN Messenger, do Orkut ou de qualquer ferramenta de interação digital maiúscula --sim, o ICQ era minúsculo.

Antigamente, o Hot 100 da Billboard antigamente era restrito à pesquisa de músicas executadas nas rádios e às vendas dos singles (CDs compostos por três faixas). Cientes disso, os fãs de Backstreet Boys, Britney Spears, Christina Aguilera, 'N Sync e outros astros pop da geração Jive Records passaram a se organizar para entupir os telefones das FMs e da MTV americana com pedidos de clipes e músicas de seus artistas favoritos. A lógica era muito simples: se "Sometimes" ficasse semanas a fio no TRL, o Disk yankee, mais rádios pop se obrigariam a tocar a canção em horário comercial. Se "Thank God I Found You", do 98 Degrees, bombasse em uma rádio grande, as menores também a incluiriam em sua playlist --e a MTV, quem sabe, equiparasse a rotação desse clipe com a dos clipes das boy-bands mais famosas.

Com o tempo, a MTV começou a notar que sua parada passou a trazer sempre os mesmos clipes. E a audiência caiu. Ela, então, mudou as regras de votação, pro programa ficar sem vícios. Primeiro, estipulou um horário para os espectadores escolherem seus vídeos. Depois, criou um sistema para deletar do programa clipes que ficassem muitos dias entre os mais pedidos.

Como engajamento e dinheiro são sinônimos no dicionário das big techs, é difícil prever quando os hit parades voltarão ao normal, sem os vícios da contemporaneidade. Quem melhor lida com isso, por enquanto, é o Reino Unido, que valoriza mais a compra de vinis do que a execução de singles no Spotify.