Os livros e os mortos de Diogo Mainardi

Diogo Mainardi escreveu, em 2003, que "Ivan Lessa é o maior escritor brasileiro. Só que o Brasil é tão desgraçado que nosso maior escritor nunca se interessou em escrever um livro. Preferiu dedicar-se a não escrever".

Eu sou muito mais novo que Diogo, mas escreveria a mesma coisa em VEJA, se ela ainda existisse --o que andam publicando em nome dela envergonharia até o Reinaldo Azevedo. O Reinaldo Azevedo de hoje, não o resgatado por Diogo e Mario Sabino em 2006. Afinal, Diogo demorou nada menos que treze anos para lançar a continuação de "A Queda". Nem o Guns'n'Roses enrolou tanto os fãs.

"Meus Mortos" é, nas palavras do próprio Diogo, uma "mistura de ensaio, memória e – me perdoe – narrativa experimental". Descrita como um acinte, a experimentação é o melhor convite ao livro novo, repleto de imagens de Veneza. Porque os romances que precedem "Meus Mortos" também eram, em alguma medida, experimentais. Na forma, na mensagem, nas personagens.

"Malthus", primeira obra mainardiana, conta a história de um doidivanas disposto a tudo para viver longe da rede social mais aborrecida de todas: o convívio social. "Arquipélago", sobre uma comunidade que resiste a um dilúvio quase bíblico, satiriza os coaches, esses Antônios Conselheiros de terno e gravata, com três décadas de vantagem. "Polígono das Secas", meu romance predileto, esmaga a indigência mental e espiritual dos entusiastas da miséria do Nordeste, até hoje endeusada na literatura regional. "Contra o Brasil", que poderia ser um belo filme, parte da loucura de Pimenta Bueno, um vagabundo letrado que coleciona passagens em que grandes pensadores descascaram o Brasil, para atacar os brasileiros e os antibrasileiros. "A Queda" conecta U2, renascentismo e paralisia cerebral em um tocante relato sobre o amor de um pai a um pequeno búlgaro.

Se "A Queda" é o livro de Tito, primogênito de Diogo, "Meus Mortos" é a casa do segundo filho, Nico, futuro cineasta que já recebeu atenção deste Teleguiado. É Nico quem fotografa a busca de Diogo pelos rastros do pintor renascentista Tiziano. Os quadros do artista veneziano, fartamente reproduzidos na caprichada edição física, um catatau de quase mil páginas com o selo da editora Record, são o eu lírico do livro.

"Mais do que sobre meus mortos (perdi pai, mãe e irmão em apenas oito meses), 'Meus Mortos' é sobre a morte de ambos. Sobre como eles escolheram morrer. E sobre como Tiziano, meio século depois de sua morte, foi ressuscitado pelo amor supremo que Rubens devotava à sua pintura. “Meus Mortos”, de fato, é sobre essa arrebatadora história de amor artístico, que serve de pano de fundo para dezenas de histórias de amor: o amor por um filho, por uma mulher, por uma mãe, por uma cidade, por uma pincelada, por um defunto, por um cachorro. Sim, o livro é sobre Tiziano, Rubens, Van Dyck, Rembrandt e Velázquez, mas é também sobre Palmiro [o cão da foto que abre esta postagem]", escreveu ao Não é Imprensa.

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RETORNOS E VITÓRIAS
"Em seu testamento literário, Diogo Mainardi despe-se completamente e, com as nádegas de fora, ostenta sua derrota", anuncia a orelha de "Meus Mortos".

Como o grupo de pagode Exaltasamba, que promoveu umas cinquenta turnês de adeus nos últimos tempos, Diogo adora anunciar despedidas. Ele fez isso pela primeira vez em 2010, antes de se mudar definitivamente para Veneza. Cinco anos depois, ao lado de Mario Sabino, reapareceu na imprensa com o popularíssimo e efervescente "O Antagonista". Antes das eleições gerais de 2022, pediu demissão do próprio site para "sair de mansinho". Não só não saiu de mansinho como ajudou a criar um sucesso fora do Google --o jornal "Não É Imprensa", hoje tocado por Danilo Gentili e Diogo Chiuso no Substack.

Desconheço o próximo passo de Diogo. YouTube? Pode ser --no breve período em que trabalhei com ele, rascunhei algumas ideias para aproveitá-lo mais em vídeo. Tik Tok? Vai saber... O dono da coluna semanal mais lida da década de 2000, que enfurecia de Alberto Dines a Ratinho, sempre dá um jeito de se reinventar. O triunfante niilismo de Diogo Mainardi é dinâmico.

Compre "Meus Mortos". E prepare-se para o próximo epitáfio.