Millôr Fernandes, Faustão e a televisão

Millôr Fernandes detestava a TV. "A Bíblia do Caos", catatau com mais de cinco mil frases do intelectual, dedica algumas páginas ao veículo "que não tem medo de insultar a inteligência do telespectador".

"Mesmo o pior jornal, até em interesse próprio, algumas vezes se arrisca, tem atitudes corajosas. No Brasil a televisão já nasceu pusilânime", repetia.

Em 1989, surpreendentemente sentado na cadeira do "Roda Viva", da TV Cultura, Millôr estendeu a tese que embasava tamanho desdém.

"Eu acho a televisão um meio de divulgação desagradável porque eu quero ser conhecido pelas pessoas que eu conheço, e não quero [ser conhecido] pelas pessoas que eu não conheço (...) Essa coisa não me interessa em absoluto, por isso não me interessa ir à televisão. Segundo, eu sou um profissional, por que todo mundo que trabalha na televisão ganha e eu não hei de ganhar? Por que a televisão quando convida um cantor de terceira ordem sugere imediatamente um cachê [e não para um escritor]? (...) Então eu descobri uma fórmula para não ir mais à televisão. Outro dia o Osmar Santos, que tem um programa aí, me convidou. Telefonei para ele e disse: "mas tem cachê?". E ele: "mas você cobra"? Eu disse: "você não cobra pelo seu trabalho, por que eu não cobro pelo meu?". Ele perguntou: "quanto é?". Respondi: "dez mil dólares"".

Millôr não recebeu os dez mil dólares da Manchete para ir ao programa de Osmar. Tampouco fez as pazes com a TV. Mas nunca deixou de pesquisar o que era tendência na telinha.

"Mostrei-lhe a lua no horizonte, redonda, linda. Mas ela prefere o Faustão", riu, na década de 1990.

Faustão estreia hoje na Band. Menos redondo e lindo, mas preparado para desbravar o novo horizonte que se avizinha.

Se há TV no céu, Millôr certamente haverá de assisti-lo. Antes isso que o TikTok.

O que Millôr pensaria do TikTok, hein?